quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Um mundo de possibilidades

Jaqueline e Jorge estão numa sorveteria, e Jaqueline está selecionando os sorvetes que ambos tomarão.  Como se trata de um casal, eles vão dividir a conta - apesar de apenas Jorge ter um emprego.
- Ei, Jorge!
- Fala, Jaqueline.
- O que você prefere: baunilha ou morango?
- Hm... Pega qualquer um para mim, por favor.
Neste momento, surge uma crise imensa em Jaqueline. Por quê? Porque se seu marido não decide por um sorvete, pode ser que esteja indeciso quanto a viver para sempre com ela agora ela tem duas possibilidades de escolha. Seria mais fácil se ele dissesse um dos sabores, pois afinal, ela não teria que encontrar o dilema de escolher um entre os dois. "O que será que eu faço?" pensou Jaqueline, neste momento de tensão profunda e medo da morte (?????).

- Você tem que escolher, Jorge.
- Eu já falei, pega qualquer um. Tô de boa.
- Quer dizer que eu sou qualquer uma pra você?
- Não, querida, não foi isso o que eu quis dizer. Você é única! É especial.
- Então escolhe um sorvete.
- Para provar que você é especial, vou deixar você escolher o sorvete para mim.
"Eu não sei o que escolher!" Pensou Jaqueline, ao mesmo tempo em que começava a imaginar o que aconteceria naquela mesma noite.
- Vou pegar o de baunilha, pode ser?
- Sim.
"Uau!" pensou Jaqueline. Afinal, fazer uma escolha era algo muito importante para ela, uma vez que ela não tinha escolhido a cor do cabelo, nem os seus pais, nem mesmo se ela seria macho ou fêmea. De repente, um turbilhão de pensamentos surgiram em sua cabeça, e então começou a pensar na situação do mundo. "Por que as pessoas não podem escolher que sabor de sorvete elas querem? Que mal há nisso? As pessoas precisam descobrir isso! Devo..." então Jaqueline começa a se conscientizar de algo. "... Mas se eu escolhi o de baunilha, eu não posso escolher o de morango!" O dilema apareceu novamente. (só pra deixar um gostinho de existencialismo sartreano pra vocês) Jaqueline começou a perder a linha de raciocínio. Neste momento, seu marido chega para ela e pergunta:
- Conseguiu escolher?
Obviamente que a resposta de sua esposa deveria ser "Não, pois me encontro num dilema profundo sobre a vida e preciso descobrir o que esse dilema significa", mas ela preferiu dizer as seguintes palavras:
- Não vê que eu ainda tô na fila?
Seu marido simplesmente olha para ela, e então espera mais um pouco.
- Você não disse que ia pegar o de baunilha?
- Eu ia, mas... Então eu descobri que se eu pegar o de baunilha eu não posso pegar o de morango.
A crise começa a aumentar. "Morango ou baunilha? Já sei! Vou pegar os dois!" ela pensou.
- Vou pegar dois de cada.
- Ok, se você aguentar.
Mais um dilema (ô, coisa chata!). "Eu realmente não aguento comer dois sorvetes de uma vez só... Eu teria que guardar um deles... Mas então qual eu comeria primeiro? E se eu morrer e não conseguir comer o outro? O que será de mim se nunca comer o sorvete de baunilha?" e tantos outros pensamentos vieram à sua mente, que foi bombardeada em alguns instantes pelo pensamento "e se eu tivesse outro marido? Por que eu não tenho aventuras sexuais com outro homem?" e depois passa para "por que eu não posso morar na Escócia ao invés de viver no Brasil?" e então "Mas por que eu tenho que escolher um sabor de sorvete se eu poderia estar numa barraquinha de cachorro-quente?" e então "por que a sociedade não dá a todos o que eles querem?". Em um dado momento, veio um pensamento: "por que meu marido me obrigou a escolher um sabor de sorvete?". Então ela se dirigiu ao seu marido:
- Escolhe você. Estou indecisa.
- Ok. Pega o de morango.
"Como ele ousa me obrigar a pegar o de morango? Cadê a liberdade de direitos? Eu quero justiça!" são os pensamentos que surgem logo após a escolha de seu marido.
- Você está bem? - Jorge pergunta.
- Ah... Estou sim, querido.
- Já estamos aqui a dez minutos e você ainda não pegou nenhum sorvete. O que está acontecendo?
- Eu não sei... Não consigo decidir.
- Então eu escolho por você. Pegue o de morango.
- Mas... E se eu não quiser o de morango?
- Então pegue o de baunilha.
- Mas a gente não poderia escolher outro lugar para ir?
- Poderíamos. Foi exatamente o que eu disse para você quando saímos de casa, e você quis vir à sorveteria.
- Mas... E se fôssemos para a Escócia?
- O que você faria lá?
- Eu não sei... Mas acho que a gente deveria ter a chance de ir para a Escócia!
- Hm... Ok. Acho que dá pra guardar um dinheiro para irmos para a Escócia nas férias.
- E a gente poderia ter um relacionamento aberto!
- Como assim?
- Eu sei lá... Ter novas aventuras, sabe? Conhecer novas pessoas.
- Bom... Nós conhecemos muitas pessoas.
- Mas eu tô dizendo de ser mais liberal.
- Tá falando em fazer sexo com outras pessoas?
- Isso, sei lá... Acho que seria legal para experimentarmos algo novo também.
- Se eu não te satisfaço, não sei por que casou comigo então. Nós decidimos viver juntos em fidelidade. Se quisesse ter relações sexuais com mais gente, não precisava casar.
- Ah... Mas é que eu pensei nisso agora...
- Nós não fazemos sexo o suficiente?
- Não é isso... É que não é justo ter que ficar preso a alguma coisa, eu acho.
- Ok. Se você quiser o divórcio, fique à vontade.
- Mas...
- Mas o quê?
- Se eu pegar o divórcio, ainda vou poder voltar pra você?
- Você tem a chance de ficar comigo para sempre.
- Mas eu sei lá...
- Você é livre. Eu não casei contigo para te prender a mim. Você que decidiu vir até mim.
- Na verdade, meus pais queriam que eu casasse com você.
- Mas eu disse o tempo todo que você poderia escolher qualquer outro.
- Meus pais não deixariam...
- E por isso eu decidi ser o cara que você quer.
Jaqueline ficou estupefata. "Como assim?" pensou ela.
- Se quiser fazer o que eu quero - diz Jorge -, ficarei feliz em servi-la.
- Mas e se eu não quiser?
- Então eu não te obrigarei.
"Estranho... Não foi assim que me ensinaram que deveria ser..."
- Tá... Você não acha que as pessoas deveriam ser mais livres?
- Por que essa pergunta?
- Porque parece que nem todo mundo é livre!
- Então faça-as serem livres, como eu te faço livre.
Jaqueline percebe que perdeu a briga. Foram 10 minutos de conversa.
- Vai querer seu sorvete do quê? - Jorge pergunta.
- Quer saber? Vou pegar água pra nós dois. A gente não tá com fome, né?

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